À SUA EXCELÊNCIA SENHOR PRESIDENTE DE ANGOLA - JOÃO LOURENÇO
"SAGRADA
ESPERANÇA"
Excelência,
Aceite os nossos cumprimentos com os votos de solidariedade
de sua empreitada no combate à pandemia da COVID-19 que também assola o nosso
país.
O desígnio que nos leva a escrever à V. Excelência deve-se
ao facto de termos constatado que, desde que Angola se fez independente, apesar
de todo o projecto histórico dos precursores do Teatro no país, alguns deles
ainda em vida, percebe-se ou fica-se com a sensação de que o MPLA, Partido no
Poder desde 1975, sempre "repudiou" o TEATRO em Angola, porque foi
com essa arma que se construiu o espírito revolucionário contra o colonizador.
As Artes em geral e, em particular o Teatro que é a reunião
das demais, tem por natureza do ofício, o poder espiritual de sensibilizar a
consciência do indivíduo, alienado ou não, com o intuito a desperta-lo sobre as
regras da vida na sociedade. As artes expressam os sentimentos dos homens,
representam as suas fraquezas e forças e constroem sonhos capazes de se
realizar. De entre todas as artes, o Teatro é aquela que directamente, sem
filtros, em comunhão com o indivíduo - o público, melhor desperta e educa no
sentido axiológico.
Os angolanos vêem de uma tradição dos indígenas. Com a
imposição colonial sob as nossas terras, nunca houve um projecto sério de
educação para os nativos. As artes, em geral, foram o leitmotiv, a priori, para
a construção da consciência da Nação Angolana. Não havia nada melhor para
aprendermos e conhecermos a jogada colonial senão por intermédio de uma
linguagem estético-artístico, da qual forjou-se um meio de comunicação de
revolução. A título de exemplo são os Ngola Ritmos que integravam o grupo de
Teatro GEXTO nos anos 50, e mais tarde o Ngongo (1961), este último considerado
o melhor grupo africano naquela época. Estes e o grupo carnavalesco
Kabocomeu(1972), o grupo de Teatro Tchinganje(1975) e outros artistas, muitos
deles até das fileiras do MPLA nas matas do Leste do país, lançaram apelos de
Liberdade através da Arte. Quero com isso dizer que a arte, em particular o
Teatro que é o motivo da nossa missiva, sempre estiveram ligados ao processo de
libertação da nossa Angola, outrora cativa do Colono.
Entretanto, o que nos deixa "tristes" é o facto
de, desde a nossa conquista da Independência em 1975, até hoje, passados 45
anos, nunca sentiu-se de facto, haver interesse político do nosso governo para
com o Teatro.
Reconhecemos de facto a criação das escolas de artes, o
CEART e o ISART, ensino médio e superior, respectivamente, mas preocupa-nos os
casos que passaremos de seguida a enunciar:
1 -) Não se compreende a demolição do Teatro Avenida em
2008, em plena ascensão do nosso teatro, quando se construiu em tempo Record;
centralidades por todo país, campos de futebol, hotéis, condomínios, etc., mas
ao teatro nunca foi plantado nem só um metro quadrado de raiz, pelo menos na
Capital do país!
2 -) Encerrou-se o Cine Teatro Nacional, não se sabe de
facto por que motivo. Pois, a mesma sala beneficiou de algumas obras em 2010(?)
e desde então permaneceu fechada. Mistério!
3 -) Desapareceu o Prêmio Cidade de Luanda, certame
organizado pelo Governo da Província por alegada falta de financiamento ou
talvez por nunca ter sido institucionalizado. E quando se mudam os chefes
mudam-se as vontades.
4 -) O FENACULT tem muitas intermitências e, achamos nos, que
o Prêmio Nacional de Cultura e Artes só contempla o Teatro porque seria óbvio a
tramóia contra o Teatro se não estivesse naquele projecto.
5 -) Vimos sentadas com os músicos, os humoristas, as misses
e outras figuras que também são importantes para o entretenimento e a educação
cívica no país, aconteceu na Cidade Alta. Não apenas na Governação de V.
Excelência, mas é uma acção recorrente.
6 -) Não existem políticas claras para o Teatro em Angola. A
Lei no Mecenato é aquela que sai do forno, volta no forno, cheira queimado e só
os artistas abanam a fumaça mesmo sem ver o fogo da própria Lei. Se é que há
mesmo vontade que essa Lei vigore.
O que se passa entre o Teatro e o MPLA?
Esperamos a governação dos 38 anos e nada. Até hoje o Teatro
acontece na Sala dos Mortos - a LAASP, e o público que ainda está vivo não
aceita tamanha falta de respeito.
Agora com a pandemia da COVID, com a salada do nosso
Ministério da Cultura, Turismo e Ambiente, sentimos-nos cada vez mais excluídos
das prioridades da nossa governação.
Estamos cientes de que a saúde, a educação, a segurança,
etc., são prioridades do Estado, mas queremos aqui alertar à V. Excelência, tal
como já fizemos uma incursão histórica da educação em Angola, a nossa população
tem ainda um nível de literacia precário, e temos plena certeza que seria e
deve ser, com as artes - o Teatro, nas ruas, nas escolas, nas empresas, nas
unidades militares e policiais e em salas fechadas com as devidas condições
técnicas, podemos juntos, sensibilizar a sociedade ao nível cultural de
cidadania, ética, cívica e estética que Angola precisa alcançar a médio e curto
prazo.
O Povo Angolano "ama" o Teatro. Tanto para fazer
como para apreciar. Sabe porquê, Camarada Presidente? Porque o Teatro é a única
Linguagem que o nosso Povo compreende bem, sem necessidade de uma lei
hermenêutica.
a) É POSSÍVEL UMA SALA DE TEATRO EM CURTO ESPAÇO DE TEMPO.
b) É POSSÍVEL UM FUNDO DE APOIO AOS ARTISTAS, DESDE QUE SE FAÇA
UMA ESTRATIFICAÇÃO PROFISSIONAL DE ACORDO A EXPERIÊNCIA E O TEMPO DO INDIVÍDUO
LIGADO A ARTE.
c) É POSSÍVEL UM EDITAL ONDE OS ARTISTAS CONCORREM TODOS OS
ANOS COM UM PROJECTO PARA BENEFICIAR DE UM APOIO FINANCEIRO.
Excelência, uma missiva do teatro não passaria os portões da
Cidade Alta. Tem sido uma Missão Impossível escrever para Agostinho Neto, José
Eduardo dos Santos e para o Senhor. É um Mistério por se desvendar. Assim como,
não queremos "intermediários fantasmas" para resolver os problemas do
teatro. Por favor, pedimos-lhe Excelência, pelo menos uma vez em 45 anos, olhe
para o Teatro e sobre as prioridades que lhe convir, tome as rédeas o senhor
mesmo. É por isso que esta missiva ao senhor intitula-se "Sagrada
Esperança".
Grato pela atenção.
TONY FRAMPENIO